"Solidário Mestre da Vida", parabéns pelos seus 90 Anos de Caminhada!

Nesta segunda-feira, 31 de dezembro de 2012, o frade dominicano Dom Tomás Balduíno completa 90 anos de idade. Durante todo o ano de 2012, Dom Tomás foi homenageado por conta de sua trajetória, quando foram realizadas celebrações, seminários, encontros, premiações e publicações em memória da sua contribuição em diversos espaços de luta e setores da Igreja.
Dom Tomás, que é natural de Posse-GO, é reconhecido como um profeta, um homem de práxis, que articula com autenticidade a palavra e a ação, não cedendo a nem um poder, seja o econômico, o político ou o eclesiástico. Esta afirmação é de Ivo Poletto, organizador do livro "Solidário Mestre da Vida: Celebrando 90 Anos de Dom Tomás Bauduíno"(Paulinas), que tem a colaboração de outras pessoas que participaram da sua trajetória, entre elas, Carlos Brandão, Frei Betto, Marcelo Barros, Maria Salete Pereira, João Pedro Stédile, Nancy Cardoso Pereira, Paulo Suess, Dom Pedro Casaldáliga e Sebastião Donizete de Carvalho.
Seja no trabalho de pastoral na paróquia de Conceição do Araguaia-PA, na prelazia de São Félix do Araguaia-MT ou como bispo titular na Diocese de Goiás-GO, Tomás sempre preservou o seu carisma e foi fiel aos pobres, aos camponeses, trabalhadores rurais sem-terra, aos índios, enfim, a todos e todas que clamam por uma justiça plena.
Como bispo da Diocese de Goiás, buscou seguir com muita coerência o que foi discutido e deliberado no Concílio Vaticano II e garantiu o espaço do povo em todas as instâncias da Igreja Particular de Goiás. Já no seu discurso de posse, em novembro de 1967, deixou bem claro a que veio:

"O concílio nos revelou, pelo Espírito Santo, que a Igreja é apostólica porque ela é encarnada, não Igreja alienada, não uma Igreja que precede da Europa, ou de outros países adiantados e procura nos civilizar e nos europeizar, se assim posso dizer. Mas uma Igreja que, deixando tudo, procura se enraizar no meio do seu povo e se fazer fraca com os fracos, pobre com os pobres, pecadora com os pecadores, conforme o Cristo, segundo a palavra de São Paulo, que se fez até pecado, por carregar sobre si aquilo que deveria pesar sobre todos nós. Enraizada, encarnada é a Igreja presente porque sua encarnação se faz no tempo e se faz no espaço. Faz-se no tempo presente. Igreja de agora. Não podemos falar de Igreja saudosista, por mais que isso agrade ao coração. Seria uma traição à sua apostolicidade se ela estivesse de costas para o presente, contemplando o passado, porque a Igreja sabe que este presente é frutificação do passado. É sobretudo frutificação da onipresença de Deus. É Igreja que encarna a hora atual, que sabe ter olhos para os nossos problemas.
(...)
Igreja que optou, sobretudo, pela fé. Isso é que acho formidável, meus irmãos. Que a Igreja opte, assim, de uma maneira solene, pela fé. Muitos gostariam que ela optasse pela religião. Ela disse não! Pela fé! Pela fé! De nada adiantariam nossos cultos, as nossas cerimônias, as nossas litanias, as nossas celebrações tradicionais, se não fossem motivadas por aquela sementinha capaz de arrebentar o chão e se tornar uma árvore frondosa - a semente da nossa fé. O que nos liberta é a fé. É essa a palavra da Igreja na hora atual".


Através do protagonismo dos leigos, dos estudos bíblicos, dos Grupos de Evangelho (semelhantes às nossas CEBs - Comunidades Eclesiais de Base), o povo da Diocese de Goiás conseguiu inclusive ser protagonista e intervir em seu meio. Quantas e quantas lideranças surgiram dali e se tornaram referência teórica e de caminhada em nossa Igreja! Da liderança, da coerência e do espírito democrático de Tomás, juntamente com seus pares, veio a partir da década de 1970, o CIMI - Conselho Indigenista Missionário e a CPT - Comissão Pastoral da Terra.  Nesse período se concebeu e surgiu a Teologia da Libertação, que Tomás praticou em sua Igreja Particular (diocese), difundindo-se para outros espaços de evangelização.
Em Orizona, na Paróquia Nossa Senhora da Piedade, principalmente a partir da chegada dos padres italianos Máximo e Cláudio, também embebidos das reformas do Concílio Vaticano II e aquecidos pela força da nova forma de se fazer Igreja, que surgiu na América Latina após a II Conferência Geral do Episcopado Latino-americano de Medelín (1968), muita coisa interessante começou a acontecer no meio do povo cristão de confissão Católica.
As CEBs surgiram às dezenas em nosso Município. Principalmente no meio rural, essas comunidade provocaram uma transformação impar, com importantes consequências para o meio. Muitas lideranças, pessoas do meio do povo, pouco "letradas", começaram a propagar um novo jeito de ser cristão, com os pés na realidade. Desse novo jeito de ser Igreja, vieram em Orizona a articulação de importantes organizações sociais, como os Sindicatos, as Associações de Pequenos Agricultores e Cooperativas. Se hoje o Município possui um capital social forte, é principalmente graças a esse espírito de Igreja solidária que se fortaleceu em nosso meio.
Nasci e cresci em meio a uma dessas comunidades, talvez uma das mais marcantes que surgiram no Município: a Comunidade da Estiva de Cima, região de Firmeza. Os jovens da comunidade já nasciam e começavam logo cedo a sua formação dentro daquela lógica de ser Igreja do Povo de Deus.
Lembro ainda hoje do meu encantamento com a sabedoria daqueles homens e mulheres que dirigiam a comunidade: Sr. Jovando, Tio Venerando, Tia Rita, Vovô Antônio de Lima, Vovô Catarina, entre tantos outros. Os jovens daquela comunidade não tinham tempo a perder. Começávamos na catequese por volta dos dois anos, onde participávamos da Iniciação, da preparação para a Primeira Eucaristia, para a Crisma, do grupo de Adolescentes e do Grupo de Jovens. Junto a isso, a escola, o trabalho junto com a família e a comunidade. Tenho certeza que esta rotina fez diferença para todos nós que nascemos e crescemos naquele ambiente.
Esta forma de Igreja, defendida por Tomás, passou a ser desarticulada a partir da primeira metade dos anos de 1990, por determinação do Vaticano. Aquela Nova Igreja ameaçava os interesses de muita gente importante, inclusive de governos. O papa João Paulo II determinou um acompanhamento mais de perto dos seminários (onde se formavam os novos sacerdotes) e passou a ser mais criterioso na nomeação dos bispos.
Em nossa Diocese de Ipameri, dizem o bispo da época foi orientado sobre o propósito de desarticular as comunidades. Com a saída dos padres italianos e a chegada de um novo administrador em nossa paróquia, essa deliberação passou a ser sentida com mais clareza. A maioria das comunidades foram se perdendo a partir dali, se enfraquecendo e hoje, quando chegamos à Igreja Templo e ouvimos a homilia, sentimos o quanto esta Igreja de hoje é diferente daquela do final do século passado.
Comecei a ouvir falar de Dom Tomás ainda em minha infância, em nosso meio. O bispo era naquela ocasião, uma referência para a nossa comunidade. Ouvíamos falar dele principalmente nos encontros de preparação para as Romarias da Terra do Estado de Goiás, que a comunidade participava em peso. Sempre após cada romaria, traziam notícias e compartilhavam seus discursos. Também fui em algumas e percebi aquela força que vinha de seus gestos e de sua boca.
Quando atuei como agente de pastoral na CPT - Goiás, o conheci mais de perto e também o seu legado, presentes em tantos agentes de pastoral, tem tantos trabalhadores e trabalhadoras rurais e em tantas lutas. Mas como geralmente sou uma pessoa tímida e reservada, pessoalmente não aproximei muito de Tomás.
Um fato recente me marcou muito a respeito do bispo. Nos dias 17 e 18 de novembro deste ano, participei com minha família em Goiânia do 23º Encontro anual da Comissão Dominicana de Justiça e Paz do Brasil. Dom Tomás não estava presente em quase todo o encontro porque participava de um encontro dos bispos do Centro-Oeste, na cidade de Uruaçu-GO, a cerca de 300 Km da capital de Goiás.
No encerramento do Encontro da Comissão Dominicana, enquanto frei Marcos Belei presidia a celebração eucarística, Tomás chegou só, dirigindo o seu veículo, vindo de Uruaçu. Isso pareceria normal, mas nos deixa pensativos quando se trata de um senhor de 90 anos de idade. A sua saúde é tanta que ainda houve tempo de ser homenageado, passar por uma extensa "tietagem" e ainda fazer um pequeno pronunciamento.
Que o seu exemplo nos inspire cada vez mais, Dom Tomás. Parabéns pelos seus 90 anos de respostas a tantas inquietudes e esperanças, de constatação de que "outra Igreja é possível", conforme disse seu amigo e companheiro de caminhada, Dom Pedro Casaldáliga.



* Texto por Anselmo Di Lima. Imagens: Anselmo Di Lima e Divulgação/PSol. Todos os direitos reservados.

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